Conheci o autor em 2008, através de Walter Benjamin. Esse poderia ser um bom prenúncio de uma bela amizade, construída com base numa série de afinidades electivas. Essa, Celan, Blanchot, Steiner, Broch, Hoffmansthal, para citar uma pequeníssima parte dos autores que partilhamos.
Ricardo Gil Soeiro é ensaísta e poeta, especialista num dos maiores pensadores da actualidade, George Steiner e está neste momento a realizar o pós-doutoramento, na área de Literatura Comparada. É também professor no ISLA. Tem-se destacado pela sua actividade académica de excelência. Organizou vários colóquios internacionais, editou vários livros colectivos e pertence ao Centro de Investigação de Estudos Comparatistas da Flul, colaborando ainda com vários centros de investigação. Tem desenvolvido muita pesquisa sobre literatura comparada, poesia portuguesa contemporânea, hermenêutica e estudos de memória. Publicou vários livros de ensaio: O Pensamento tornado Dança, Gramática da Esperança, A Alegria do Sim na Tristeza do Finito e, recentemente The wounds of Possibility, editado pela Cambridge Scholars Publishing. O livro que ressalto é Iminência do Encontro, com o qual conquistou o Prémio Pen Clube Português para a Primeira Obra. Na poesia, publicou O Alfabeto dos Astros, Caligraphia do Espanto, Espera Vigilante, Labor Inquieto, Constelações do Coração, Plenitude das Sombras e Da Vida das Marionetas. Em 2012, a antologia poética traduzida para italiano, L’apprendista di enigmi.
Lembro-me com afecto da primeira apresentação que fiz do seu primeiro livro O Alfabeto dos Astros, a meias com a Professora Helena Buescu. Já nessa obra se lhe observava uma poética amadurecida e inspirada, um lirismo a que a poesia contemporânea portuguesa – pelo menos a mais recente – é avessa, com raras excepções. Por outro lado, era já aqui reconhecível um trabalho de linguagem e de grande rigor, de exigência. Ricardo Gil Soeiro traz-nos agora, como é hábito seu, um projecto de risco e ambicioso: uma tetralogia de uma Poética Palimpséstica. E este que aqui apresento é o segundo volume da tetralogia dos “Bartlebys reunidos, 30 poemas em forma de nota de rodapé a um texto invisível”. Este volume, especificamente, subordina-se a um título: “Para uma Ética da Impotência”. Como bom aprendiz de enigmas e de ocultas cifras, como o revelam os seus anteriores títulos (“Alfabeto dos Astros”, “Caligrafia do Espanto”), Ricardo Gil Soeiro lança o desafio ao leitor. Que texto invisível é este? Claramente a obra de Melville, “Bartleby, o Escrivão”. E toda a poética desta tetralogia é ciente de que nós somos corpos históricos singulares, percorridos pela leitura e pela escrita de outros, isto é, claramente conscientes de escritas que se inscreveram e se confundiram, se emaranharam com outras, com os livros que lemos, os filmes e as imagens que nos impregnaram, criarando assim invisíveis teias de sentido que nos antecedem e que prefiguram o texto. Dizendo de outro modo, a hipertextualidade é inevitável e, no caso de Ricardo, assumida explicitamente.
Aqui, nesta obra, não há um Bartleby isolado, o de Melville, o paradigmático, mas sim um entrecruzamento de referências e uma releitura múltipla – dos vários leitores que o acolheram e que vai de Agamben (Bartleby, Escrita da Potência) a Derrida, Deleuze, Maurice Blanchot, Enrique Vila-Matas, Silvina Rodrigues Lopes, entre muitos outros – que recobre o texto. Ricardo Gil Soeiro sabe desse emaranhamento e também desse “entranhamento” do qual sofreu o apelo, emaranhamento que é, por sua vez, uma das suas formas de montagem operativa, daí o título de “poética palimpséstica”. O texto invisível, o que foi recoberto e apagado é o de Melville. Os textos que se sobrepuseram ao original constituem-se como “modos” de leitura, reenviando-nos para o questionamento dessa figura enigmática e que foge a todas as reduções literárias e psicanalíticas. O carácter irredutível (e simultaneamente de resistência passiva) de Bartleby encontra-se, precisamente, nessa fórmula, com que sempre responde: “I would prefer not to”. Daí, obviamente o seu interesse e o seu potencial renovador e inesgotável, dada a sua espessura existencial e metafísica, que explicarei adiante.
A obsessão da escrita e da sua essência, que podemos colher nas metáforas por ele utilizadas, a angústia do texto que desaparece e se vota ao esquecimento era já um dos temas dos livros de poesia de Ricardo Gil Soeiro por excelência, uma obsessão que eu diria hermenêutica, da descoberta do sentido. Também aqui, o alegorista que se oculta no poeta ( e certamente em Ricardo Gil Soeiro) não foge ao apelo das vozes, dos ecos, do texto original, seguindo o benjaminiano preceito da distinção entre o crítico e o comentador. E o crítico, como o reconhecia Benjamin no seu texto “As Afinidades Electivas de Goethe”, não é o que sucumbe ao brilho aparente da obra, mas o que nela mergulha em profundidade e correndo sérios riscos de não voltar à tona. Mais uma vez, Ricardo Gil Soeiro mergulha a pique num dos temas essenciais da Literatura e da própria linguagem, naquilo em que ambas confinam com a própria vida. E o problema em questão e que foi brilhantemente diagnosticado por Blanchot, no seu sentido mais denso e metafísico, é o Mal da Literatura, essa crise que não é apenas de hoje, mas que tem mais de um século. É sem dúvida desde o romantismo que a literatura sofre de um Mal que vem se agravando, cuja causa é a percepção de seu possível desaparecimento. No seu livro “Le Livre à Venir” (1959), Blanchot descreveu a crise vivida pelos escritores modernos, que, em busca da própria essência da literatura, tornam a obra impossível. A literatura moderna sucumbe assim, mortalmente ferida, tal como o escorpião, ao morder sua cauda. A doença e o tormento dos escritores do século dezanove é séria e atinge a sua fórmula máxima, a meu ver, na célebre carta de Lord Chandos a Francis Bacon, de Hoffmansthal, em que Lord Chandos, com uma carreira de escritor pela frente, confessa a sua impossibilidade de escrever, a menos que encontrasse uma língua que não seria nenhuma das conhecidas, mas na qual as coisas mudas lhe falassem.
Este tormento de Bartleby, como compreendeu Blanchot, condu-lo ao silêncio (em Blanchot é claramente uma ética da resistência), mas também o conduz aos “Labirintos do Não”, para parafrasear o texto de Vila-Matas, que serve de paráfrase a este livro. A identificação do sujeito lírico aqui é clara, pois, desde logo, no poema 2, ele fala dessa “procura de/derivas, que por vezes, também se chamam labirintos sem memória”. Associo estes “labirintos da memória” aos “labirintos do Não”, reforçada a associação com os versos seguintes: “Agrada-me ser o que sou: fantasma/ausente, perseguindo sombras para/por fim, me resolver em solidão” (p.14).
Uma das ideias mais recorrentes no entendimento da poesia consiste na aceitação de que o poema é um organismo, um “animal” – uso um sentido muito próximo de uma imagem que é utilizada por Aristóteles na Poética. O poema é algo que cresce e se desenvolve a partir de um núcleo ou uma semente, um todo que é irredutível à soma das suas partes. Esta organicidade do poema encontro-a em Ricardo Gil Soeiro, ao longo de todo o livro, a partir de uma ideia fundamental que condensa uma série de desdobramentos e possibilidades que dela irradiam. Esta organicidade aparece nesta obra em particular, já que a ideia que serve de ponto de partida a uma poética palimpséstica está contida no próprio título “Bartlebys reunidos”. O poeta colhe um excerto do texto de Enrique Vila-Matas, Bartleby e Companhia (2000) em que este alude ao paradigmático texto de Herman Melville, O Escrivão, dizendo:
Todos conhecemos os Bartlebys, são seres nos quais habita uma profunda negação do mundo.(…) Disponho-me pois a passear pelo labirinto do Não, pelos caminhos da mais perturbadora e atraente tendência das literaturas contemporâneas: uma tendência na qual se encontra o único caminho que deixa em aberto a autêntica criação literária (…) Só da pulsão negativa, só do labirinto do Não pode surgir a escrita do porvir.[1]
Esta “paixão pelo zero”[2], isto é, pelos “labirintos do não”, como lhe chama Silvina Rodrigues Lopes, num texto intitulado “Bartleby: Melancolia e Nilismo”, na obra Arte e Melancolia, este “desejo de atingir o nada”, é o que constitui a matriz da tragédia do homem moderno, instaurando uma ferida existencial, o tal Mal da Literatura de que falámos há pouco e que se exprime nessa elocução: “I would prefer not to” (Eu prefiro não). A cada ordem, solicitação do patrão, o gentil Bartleby da novela de Melville responde sistematicamente o mesmo, interrompendo, boicotando as ordens até a um ponto em que a sua própria existência se torna insustentável. E é justamente aqui que nasce o livro de Ricardo Gil Soeiro, num poema alusivo a essa elocução. Não se trata de uma desistência, o que acontece com Bartleby, como bem o diz o poeta:
Em distinta vida já remota,
confesso que cheguei a ser poeta,
mero escriturário de versos falhados,
entretido com rimas vazias e
em vão procurando soletrar
o triste mistério de existir.
Felizmente que fui ainda
a tempo de decidir ser outra
mascara mais real: com a lição
bem estudada, rendi-me ao
injurioso embuste do mundo.
A condição de Bartleby é heroica, ou melhor, anti-heróica. É a que pertence aos heróis da modernidade. É o heroísmo de que Benjamin nos fala, ao referir-se a Baudelaire: aquele que, sofrendo a experiência do choque, desmascara as ilusões. “Render-se ao injurioso embuste do mundo”, recusando luminosos alfabetos, “transformando-se em simples sopro”, em “voz avulsa que assim veleja à vida” corresponde à aceitação da vida sem ilusões, desmascarando as ilusões. Lembra-me aqui Nietszche e o seu apelo à aceitação da brevidade da vida e das suas contradições, da vanidade do desejo. E este heroísmo é assumido no poema 2, nesse poema que estabelece a primeira das suas ligações intertextuais, com Luís Filipe Castro Mendes. É isso que diz o poeta no poema 2: “Sou, enfim, se quiserem insistir/em epítetos vazios, moderníssimo/herói sem qualidades, numa alusão a Robert Musil, à procura de/derivas que, por vezes, também se/chamam labirintos sem memória.”
Ao mesmo tempo, este “herói moderníssimo” é definido pela sua “impotência criadora”, no poema 3, associada também a uma “certeza de ser pálido gesto”, votando-se ao silêncio, recusando justificações. Esta é também a questão da relação da melancolia com a arte, em que o sujeito lírico se reconhece num mundo em que as ilusões metafísicas se encontram em escombros, desfeitos os elos que uniam a comunidade e transformando-se o anonimato e a solidão, a melancolia feroz do homem moderno, no fermento dessa experiência poética. A melancolia, essa, nasce da consciência da perda, de um luto relativamente a um outrora, a uma autenticidade da experiência. E ela exprime-se, na arte, sob essa forma de impotência criadora, como gesto que corresponde à accedia. Dele decorre o sentimento de exílio e de profunda solidão e incomunicabilidade de Bartleby. Silvina Rodrigues Lopes chama-nos a atenção (na p. 260) para o facto de Bartleby morrer deitado de lado, a olhar para a parede, recusando o infinito. Recusando também a abertura e é disto que se trata. O “pálido gesto” que marca a vida de Bartleby condu-lo a uma insensibilidade perante o que poderia, ainda, ser a força criadora: o infinito. Essa proximidade com o silêncio, silêncio como ética e postura existencial, encontra-a o poeta nas fórmulas de Wittgenstein, em particular, no Tractacus Logico-Philosophicus, no poema 4 (p. 16): “agora é de vez:/hoje esgotei todos os poemas;/repleto de vazio, permaneço só/com esta minha solidão perenemente/ musical e sinto-me a chegar/ao lusco-fusco de todos os pensamentos:/e sim – é bastante evidente,/nada mais tenho a partilhar.” Reforço aqui com a alusão ao preceito wittgenteiniano: “Acerca do que não podemos falar, temos que manter o silêncio”.
Ressonâncias múltiplas atravessam a obra de Ricardo Gil Soeiro. Georges Perec, Deleuze, Robert Walser, Kafka, Beckett, Paul Celan, Agamben, Broch, Rimbaud, entre muitos outros autores constituem a constelação na qual se inscreve o diálogo, a múltiplas vozes, andamentos musicais. Todas elas ecoam e integram o universo desta “deriva poética” do sujeito lírico que procura o “local do crime” onde o leitor se faz cúmplice do delito (p.19). Essa consciência difusa e velada, que interpõe uma distância entre si e o mundo como uma espécie de barreira protectora contra a desilusão assume uma leveza musical, como no poema 6, onde o poeta escreve: “Somos apenas um nome perdido/ nas mãos do vento, oscilando nas/imperceptíveis arestas da cidade”. E a cidade é a matriz desta poética palimpséstica, também ela repetindo, na sua estrutura urbana, uma caligrafia labiríntica, que apela à deriva. A cidade é dura, tem “arestas”, é reconhecível pelas palavras que se lhe associam como a solidão, essa solidão irredutível, que apenas podem ter na poesia o seu “amuleto preferido” (p. 19). A poesia assume, assim, uma natureza paradoxal, pois, se por um lado, ela ameniza a angústia e a solidão, por outro, ela contém o perigo do desmascaramento, que se oculta por detrás da ilusão da deriva. Sim, a deriva, ela própria, é ainda a derradeira ilusão, perseguida em modo de deambulação nos labirintos do Não. Se o desejo mantém a nostalgia viva e a alimenta, deixando aquele que se abandona ao seu fascínio à sua mercê, é, no entanto o nada a revelação derradeira, tal como o flaneur baudelaireano que, seguindo a mulher amada, descobre que ela se dissipa na massa, que desaparece, engolida pelo anonimato.
Perpassam ainda neste Bartleby ecos de um Prometeu[3] (um Prometeu pós-moderno), mas também de um outro grego, Ulisses: “Por fim, desce o pano/sobre o dia que findou./É tempo de ficar a sós/com os meus fantasmas./Após ter sumido/Ulisses na metrópole,/regresso ao meu casulo/de crisálida envergonhada(…)” (p. 30). Em permanência, encontramos um sujeito que oscila entre o heroísmo e um sentimento de exílio incontornável. Exílio, ferida insuperável, que lhe vem não só da solidão citadina, da incomunicabilidade, mas também de uma exterioridade ao plano da linguagem e da escrita, pelo acto/gesto da recusa, evidenciada na recusa de Bartleby em efectuar o seu trabalho de escrivão e de copista. E é por isso mesmo que o exercício poético contém essa dor: “Limito-me a lamber as feridas/do meu olhar cansado, dizendo/que sim: a morte é uma flor.” A intertextualidade é evidente, remetendo-nos para Celan e para o gravíssimo problema da fragmentação do olhar, da sua ruína, perante o qual a morte aparece como redenção/libertação. Os dentes da morte são bem conhecidos do melancólico, pois este sabe que tudo lhe está votado, tem dessa catástrofe o pleno conhecimento. Bartleby possui esse olhar e sabe que a única forma que tem para escapar ao determinismo é sacudi-lo, interrompendo-lhe o curso, fazendo com que o seu gesto instaure a suspensão da necessidade. Silvina Rodrigues Lopes reconhece-o: “O comportamento de Bartleby tem como fundo a figura da lei enquanto figura do encarceramento”. (p. 263). A lei como continuidade imposta, certamente. A presença de Kafka não lhe é alheia, como o sujeito lírico mostra, no poema 13: “Sinto que esgotei todos os poemas/de quando em vez, assalta-me esta/estranha sensação, a de poder/anunciar o nada nos lábios.” A fórmula I would prefer not to anuncia o nada, suspende a cadeia da necessidade, interrompe uma suposta e falsa continuidade que importa desmascarar.
O diálogo com o vazio aparece de forma explícita no poema 16, ainda que ele seja o tema musical ao longo de todo o livro. Intitula-se sugestivamente “Resistência passiva”: “Os meus poemas não/sabem que eu existo./Limitam-se a ser incêndio, pianíssimo, em câmara lenta. /E assim vão prosseguindo/ a sua conversa com o vazio,/a declaração de amor possível”. (p. 40). No final desse poema, o jogo de espelhos é evidente: “E, na impaciência de nos sabermos/desistentes, digo para comigo:/afinal, todos somos bartleby”. (p. 41).
Neste trabalho de linguagem apurado, reconhecemos igualmente a questão da metalinguagem e, no poema 22, “Visita à Oficina”, o tema é explícito: “desta vez é para arriscar:/assim dito e feito, desnudar-me-ei/sem pudor que me valha; são para ficar à mostra/as costuras do poema:/vê como é palpável a dorida/hesitação do adjectivo, a enumeração contida,/a timidez da metáfora, sempre à espreita, /neste largar de máscara, convém que os versos/se chamem a si mesmos(…)” (p. 50). É esta a essência do trabalho poético, confinando com os limites da linguagem, usando a “astúcia da hipérbole”, das aliterações e das figuras de linguagem a que todo o poeta lança mão. Aqui, é Bartleby, enquanto sujeito lírico, que se confessa. Um “estranho caso”, este Bartleby, como “uma personagem de um livro triste e verdadeiro” (p. 51), um “anti-herói”, pois não luta contra nada e passa bem sem ideais, mas é nessa recusa de ideais e de absoluto que se desenha o seu carácter trágico. Este Bartleby “limita-se a agir contrariamente à lógica conhecida”, no seu gesto de recusa e interrupção. Esse gesto que o faz “estremecer por dentro, incandescente” (p. 55).
A utopia não é habitável, sabemo-lo. Tão pouco é desejada por Bartleby, que, em jeito de conclusão, reconhece: “o nada já não me assusta”. Aquele que perdeu os ideais e reconhece a utopia como um deserto é também o que recusa a representação seja do que for, da arte ou da poesia, rejeitando a fixação das formas, da literatura, da escrita, ou, ainda, da própria linguagem, recuando a um estado de potência, surripiando todas as possibilidades de concretização e de produção. Bartleby (e o sujeito lírico) tem um pacto com o vazio: “Outrora terei jurado ao vazio/não reincidir no crime perfeito/desta arte de pintar sombras de luz. (p. 65). Ele traz consigo a marca da ruína da humanidade, incapaz de suportar ideais, ciente de uma catástrofe iminente, e que é identificada na sua atroz solidão e incomunicabilidade com o outro. É a personificação de uma fragmentação do humano e da sua história, transportando em si uma fissura irreparável. Não descobriu ainda a beleza da modernidade, mas também já não acredita no optimismo do progresso e da história, que atravessou o século dezanove. O niilismo é, nele, inevitável. Esse “pacto” com o vazio que o levou à descoberta do Nada. Doravante Bartleby não é um homem, mas antes um tipo, que se repete num círculo infernal e mecânico, uma figura fantasmática. É isto a modernidade, um círculo onde o homem se perde nos Labirintos do Não, fragmentado, arruinado, mas convocando ainda a sua reunião, aspirando nostalgicamente à sua unidade perdida, que ressuma como um canto antigo e lento. Como o diz Ricardo Gil Soeiro, no último poema do seu livro:
As vezes, reconheço, é difícil:
especialmente a noite, quando
o capricho das feridas mais antigas
desafia este jejum e teima em
acordar junto aos meus fantasmas.
Hesito se quero voltar a acreditar
na beleza, fazer sentido dos detritos,
continuar a perder as asas que me faltam.[4]
Este é o paradoxo, ou melhor, a aporia de Bartleby. Irresolúvel e trágica: “o de continuar a perder as asas que lhe faltam”.
[1] Retirado do livro de Ricardo, traduzido por mim.
[2] P. 264.
[3] Poema 10, p. 28.
[4] P. 66
Nidja Andrade
Toda vez que passo por aqui aprendo mais e mais!.. AbraçO
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Maria joão Cantinho
Aprendemos uns com os outros, Nidja. Obrigada pelo seu apoio constante. mj
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