antes disso havia a sombra
o pai a dormir a sesta
e o rumor do mar ao fundo
talvez me falseie a imagem
mas esse azul atlântico
a arder no vento, essa luz
única, a céu aberto
e tudo era tão lento
porque o tempo não tinha distracções
nem se deixava comer por rigores
de trabalho ou de vida emprestada
eram as casas habitadas
e os sonhos lentos
as sombras da noite
a confundir-se com os ramos das árvores
alguns sonhos não se abatem nem morrem
são raízes que se fincam no corpo
são cartografias improváveis
e, quando galopa o silêncio
descem até nós, chamam-nos
e arrastam-nos pelos cabelos
esse azul atlântico a crescer na tarde.
Maria João Cantinho