Deixo um excerto da minha recensão na Colóquio-Letras sobre o livro de Joana Emídio Marques, “Ritornelos”.
«Tal como na poética celaniana, também a dimensão dialógica da poesia é frequente em Ritornelos, como uma evocação íntima do sujeito lírico que procura uma saída para a sua solidão radical, diante da ausência de Deus. Em “Litanias”, a dimensão salmódica do poema acentua-se, para nos confrontarmos com a ausência da linguagem e dos nomes, a nudez de Deus e o grito surdo que não ouve nenhuma resposta à sua prece: “Oh, Deus/não serás tu./Oh Deus/tão nu./Por debaixo do que grita o meu grito.”(p. 112). Há aqui um requiem pelo mundo, que se exprime nesse verso “a tristeza materna do mundo”. Esta é uma expressão enigmática, como muitas das figuras, símbolos e sinais que percorrem a poética de Joana Emídio Marques, reenviando-nos para uma dimensão mística da linguagem, tal como ela nos aparece em Jacob Böhme, por exemplo, ao referir-se à mudez triste da natureza, quando não é libertada pela nomeação da linguagem.
O silêncio de Deus e o não-reconhecimento do homem, a falta de sentido da história e da própria natureza, o exercício do mal e a sua contaminação deixam o homem no limite do suportável, no limbo da criatura que é desapossada, quer da sua experiência, quer da linguagem. Símbolo dessa ausência, encontramos a tristeza profunda, a ausência da “Palavra de Deus”: “Procuro em cada coisa A Palavra de Deus/Olho e olho e nenhum som, gesto ou sopro.”»