Apetecia-me começar este texto com as obrigações implícitas no estatuto da carreira docente e as alterações trazidas pelo acordo que Bolonha trouxe às universidades portuguesas. É habitual ouvirmos os professores (não apenas os universitários) queixarem-se por causa do acréscimo de trabalho trazido pelas necessidades prementes da avaliação, que não se faziam sentir antes, de forma tão dura. Investigadores e professores sujeitam-se a uma avaliação constante, com a necessidade de publicação de artigos em revistas académicas, mas apenas contam aquelas publicações de «parecer cego», ou seja, que é lido/avaliado por quem não conhece os investigadores (as revistas de amigos não contam), as conferências, as aulas, os seminários, as orientações, etc..
Como dantes havia insuficientes doutorados, era normal que entrassem professores sem doutoramento e que essa situação fosse aceitável e, até, normal nas universidades portuguesas. Porém, para se ser Catedrático — e essa é a questão que mais importa aqui — sempre foi preciso ser-se doutorado. Além de ter-se sido aprovado nas provas de agregação. Hoje, com o acordo de Bolonha, o ingresso na carreira docente universitária, para professor, exige, como condição mínima, o doutoramento.
Dir-me-ão que o estatuto do professor convidado — uma figura criada para suprir a falta de quadros qualificados nas universidades — não se integra neste quadro. Na verdade, o «professor convidado» é alguém cujo mérito é reconhecido na universidade pela obra científica. Nas faculdades de artes, por exemplo, uma boa parte dos convidados são artistas, com obra reconhecida, que enriquecem, com a sua experiência de artistas, um currículo artístico. O mesmo aplicar-se-á a outras universidades, mas o critério exigível será sempre a obra científica reconhecida.
Ora, ter obra reconhecida, do ponto de vista científico, não equivale a ser uma «pessoa conhecida», o que é o caso de Passos Coelho. Por boas ou más razões que queiram encontrar, e não é aqui a ideologia que está em questão, tornou-se conhecido como Primeiro Ministro. E, fora disso, não tem obra reconhecida, do ponto de vista científico. Quando muito terá experiência, mas a experiência, sem ter sido convertida em obra científica, não tem relevo na universidade. Não tem publicações, não tem mestrado nem doutoramento, isto é, efectivamente não reúne condições para leccionar alunos de mestrado e de doutoramento, como parece ser o caso e que já levou estes alunos a apresentar uma petição de protesto.
Objectarão também que é uma situação legal, uma vez que foi aprovada pelo Conselho Científico dessas universidades. Sim, legal é, mas será moral? E explico porquê: diante de tantos desempregados, doutorados e pós-doutorados, na mesma área que Passos Coelho, será admissível esta decisão? Em nome de quê? Que resposta encontram as universidades perante esta disparidade de critérios? Não só não se têm resolvido as situações da precariedade dos investigadores, como se acicatam ainda mais os ânimos de quem já anda revoltado e indignado. E não são apenas os investigadores, há anos sustentados pela FCT, sem emprego à vista, como também falamos da indignação dos professores, que não vêem abrir vagas para catedráticos nem progridem na carreira. Não ver esta injustiça flagrante é, de facto, desviar o assunto para minudências que não têm qualquer interesse. É isto que João Miguel Tavares, reconhecido (esse sim) pela sua clara ideologia, vem fazer no Público, usando um meio de comunicação privilegiado, para lançar ainda maior confusão sobre os leitores, na sua maioria mal informados sobre o funcionamento das universidades e pouco conhecedores do seu estatuto.
Desvia-se este jornalista, atacando pessoas sérias da universidade, como Rui Bebiano e Raquel Varela, do busílis da questão, atirando areia para os olhos dos leitores. Vai a reboque (ou alimenta-a, nem sei bem) da confusão instalada nos meios de comunicação e nas redes sociais, referindo a orientação política (legítima, como a será a do jornalista em questão) como motor obscuro destas movimentações. A técnica aqui usada, para alguém versado em lógica e falácias, é sempre a mesma, numa variante de ataque pessoal. Como se ser de esquerda ou de direita fosse oposto a tomarem-se atitudes de defesa de transparência. É que, para o que interessa, tanto faz ser o Passos Coelho, como outro qualquer, pois o ponto da questão é a falta de competência e de habilitações para leccionar pessoas que possuem mais habilitações do que ele.
Imagine-se agora o Jorge Jesus como catedrático numa universidade de desporto. Também é uma pessoa conhecida. E a situação é exactamente a mesma, em áreas diferentes, queiram ou não ver a questão. Tem experiência, levou o Benfica a píncaros inigualáveis, é um grande treinador e reconhecido pela sua experiência. Só falta convidá-lo agora para professor com equiparação a catedrático numa universidade de desporto. Querem saber? Eu também assinaria uma petição contra isso.