Dobrados

Dobrar o corpo ou a língua, tanto faz
para que a sombra nos salve
destes dias, sabes, em que nada parece  viver
a não ser um certo modo de indigência
a que todos se consentem, talvez por medo
de não haver amanhã, ou uma grandeza qualquer
as palavras trazem esse inferno, irrespirável
insano, sem lugar para um certo azul
que revirava os dias de esperança
e agora caminham cabisbaixos, medrosos
convenceram-se que o único azul é este
o de que dispomos
um certo azul, com vagas estrelas numa bandeira
e o número do sapato não nos serve, já não o calçamos, sequer
andamos descalços, mas continuamos a olhar
para esse céu de plástico e com estrelas mortiças
desenhadas só para alguns, que por detrás delas
se escondem, com as suas siglas formidáveis
e a tresandar a poder, a feder
hoje é o sapato, irmão, só te serve um
mas amanhã nem as calças te servirão
e o Inverno está à porta. E perguntas? Sonhas?
Que nada. Vão te deitar de joelhos
a sonhar com pão, com a casa que o banco te emprestou

enquanto as estrelas pareciam reluzir.

Maria João Cantinho

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