7ª (A hera de Heraclito)
Jamais recuará esse rio. Encobriria a cara
na sepultura de lodo, sem memória,
sem o passado, só olhos na água ou ar
visíveis (como orifícios na onda),
pois tudo o que se vê logo desvia o olhar
do pântano possível.
São as cordas
De água que se ouvem
Com a força de um rio no mesmo ouvido;
Nada ressoa aqui quando o instrumento cega
Esta retina; nada
Apresou a hera (de Heraclito) após o muro;
nada é alheio.
Corre para um subúrbio ou ramo o rio
Que sempre nasce. Nem secará a pele
Debaixo do som (a sua medida é a música)
E só o corpo há-de perder o pensamento
Sob a erosão da água
Que vemos descontínua: só o sangue.
Demais a que reúne o rio
E passa entre vista e ouvido e o junco
Nem poderá deter-se tal como
Sozinho o cisne canta por ser morto
No corpo branco em carne nua;
A que é una exausta de um só rio nunca parou,
Ocultaria então o acorde
Da boca e ossos vivos
Com que canto
O dom ou o declínio.
Vendo que um leito é submergido
E que a espessura: o tempo, os limos
Aí flutuam, pensarei
As palavras de um pensamento em corpo
Preso ao fluxo e à rede das raízes
(radículas) contra o muro.
Obra Breve, Editorial Teorema, 1991, pp. 97, 98.
José Pascoal
Obrigado, Maria João Cantinho, por este admirável poema. A Fiama e a José Agostinho Baptista devo a esperança, já um pouco desesperada, de ser um poeta, embora menor, digno desse nome.
Saudações cordiais, José Pascoal
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