Para ser sincera, já não sei há quantos dias estou fechada em casa. Não me queixo, pois sei que há muita gente que, infelizmente, não pode estar resguardada e tem que trabalhar para podermos dar-nos a este luxo. Quando vou às compras, vejo os pobres empregados em contacto com milhares de pessoas que não sabem se estão infectadas ou não (para o sabermos, teríamos de testar toda a população), vejo diariamente na televisão as imagens dos profissionais de saúde que não se poupam a esforços no combate à pandemia. Os números não param de aumentar, mas também sabemos que o crescimento da doença não é tão grave como o previa o matemático Jorge Buescu.
Como disse ontem, num post do facebook, a minha confiança na forma como esta crise está a ser gerida tranquiliza-me. Incógnita é ainda a questão como irão ser superadas as consequências desta crise, do ponto de vista económico, sobretudo. Não há hipótese de antecipar nem de prever o quão catastróficas serão as mesmas, pois não há termos de comparação. Quanto tempo aguentarão as empresas sem produzir, em regime de lay-off, como se compensarão as inimagináveis consequências para as artes e espectáculos, para os recibos verdes, para os milhares de desempregados, etc. Esta é a parte da pandemia que mais me inquieta, pois esta passará, mais tarde ou mais cedo (ainda que a custo de muitas vítimas mortais, infelizmente). Tanto mais que a UE não dá sinais de estar coesa na resolução desta crise e hesita ainda na criação de soluções face ao problema. O desconforto no seio da UE faz-se já sentir nas críticas que foram feitas pelo primeiro ministro António Costa ao ministro das finanças holandês (cujo nome não me lembro ou talvez não queira lembrar-me). Este pode bem ser o fim da UE se não se chegar a um consenso relativamente às normas a adoptar em estado de excepção. Porque é disto que se trata. O corona vírus veio lançar a Europa num estado de excepção, do qual a ponta mais visível do iceberg é o estado de emergência lançado na maior parte dos países.
Como actua, então, a UE numa Europa sob o signo do estado de excepção? Manterá as mesmas regras que vigoram para uma situação de normalidade? Creio que este é o grande desafio da UE para mudar as políticas e construir um novo paradigma de governabilidade, mais actuante em situações de crise económica.
Resta-nos a serenidade para lidar com os momentos de catástrofe, em que todos os acontecimentos são tocados pela anormalidade da situação. A quarentena, para além de nos permitir gerir melhor o nosso tempo, devia orientar-nos (não a nós que somos simples cidadãos) para repensar os «velhos paradigmas» e reorientar-nos para novas políticas económicas, capazes de trabalhar para a sustentabilidade do mundo. Porque é do mundo que se trata agora, todo ele está implicado nesta trágica conjuntura. Não é de uma guerra que se trata, mas de uma catástrofe com outros contornos que nos arrasta a todos. E diria, como Benjamin, no «Livro das Passagens», que a catástrofe está no facto de não sabermos interromper o estado cumulativo dos acontecimentos. Essa é a verdadeira catástrofe e cabe-nos a nós accionar o sinal de alarme para a pararmos.
A.Fonseca
boa tarde Maria João, só para lhe dizer que sabe sempre bem receber estes seus emails, sempre muito interessantes e lúcidos…
obrigado, abraço
A.Fonseca
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Maria João Cantinho escreveu no dia quarta, 1/04/2020 à(s) 16:32:
> Maria João Cantinho posted: “Para ser sincera, já não sei há quantos dias > estou fechada em casa. Não me queixo, pois sei que há muita gente que, > infelizmente, não pode estar resguardada e tem que trabalhar para podermos > dar-nos a este luxo. Quando vou às compras, vejo os pobres empre” >
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Maria João Cantinho
Muito obrigada pelo seu apoio.
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